De acordo com o presidente-executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Ubanos (NTU), Otávio Cunha, a pandemia provocou um prejuízo acumulado de R$ 3,72 bilhões até 30 de junho. Os sistemas perderam passageiros e agora têm a pressão de ter um número reduzido de usuários, devido os riscos de infecção do novo coronavírus. Conversamos com ele sobre os desafios desse setor e sobre as possíveis alternativas para solucioná-los.
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Qual o tamanho do impacto da Pandemia no setor de transporte público?
A edição Semanal do relatório Impactos do coronavírus no transporte público por ônibus revela que ainda é forte o impacto da pandemia no setor. De 13 a 17 de julho, tivemos ao todo 169 sistemas com redução de oferta ou suspensão total do serviço e 163 sistemas com redução de demanda de passageiros. Nesse caso, a redução varia de 25% a quase 100%. Na média nacional a redução neste momento é de 60%, mas chegou a 80% no início da pandemia. O transporte público perdeu em média cerca de 30 milhões de passageiros ao dia em todo o país. Até 17 de junho o setor contabiliza 2.708 demissões, 9.235 suspensões de contratos trabalhistas. Os prejuízos acumulados foram da ordem de R$ 3,72 bilhões até 30 de junho.

Há algum dado de Pernambuco que poderia destacar?
No Recife, tanto no transporte municipal quanto no intermunicipal metropolitano, a redução de demanda chega a 60% e oferta do serviço é de 30%, com passageiros transportados somente sentados.
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A aglomeração, principalmente no horário de pico, contribui para a sustentabilidade econômica do setor. Como o setor poderia atender a necessidade de distanciamento social tanto do aspecto operacional, como no aspecto econômico? Que alternativas de financiamento do setor estão em discussão?
Essa é uma decisão do poder público local, que define os parâmetros da prestação dos serviços e quanto deve ser a tarifa correspondente. Um modelo baseado na aglomeração para atender a sustentabilidade econômica do setor não é mais viável hoje, com as regras sanitárias e os protocolos de prevenção do coronavírus. Mas é preciso definir quem paga a conta, porque uma oferta maior significa custo maior para as empresas operadoras. A única saída é contar com o auxílio financeiro do governo, que o setor está pleiteando desde o início da pandemia, sem resultado. Com o prejuízo acumulado de R$ 3,72 bilhões até 30/06/20, não há tarifa que resolva essa situação. Aliás, a ideia é que esse modelo de financiamento amparado somente pelo valor da passagem paga seja extinto, como tem sido proposto por várias entidades ligadas ao transporte público no país. Temos bons exemplos de modelos sustentáveis onde o usuário banca uma parte do custo do serviço, através da tarifa, e toda a sociedade, representada pelo poder público, entra com a outra metade.

Nossa principal proposta de resgate do setor, formulada até o momento, é o projeto elaborado com base na proposta levada por entidades ligadas ao transporte público para o Governo Federal, ainda no início da pandemia. A sugestão é criar um programa que consiste na aquisição mensal de créditos eletrônicos de passagens, enquanto perdurar a crise do COVID-19, em volume suficiente para cobrir a diferença entre receita e despesa das empresas. O transporte público é atividade essencial e precisa continuar rodado mesmo com baixa demanda. Segundo a proposta, cada crédito eletrônico de passagem corresponde a uma tarifa pública vigente no sistema de transporte coletivo por ônibus de cada localidade. Assim, o Governo Federal poderia usar os créditos do programa Transporte Social como um estoque a ser empregado agora de depois da crise do coronavírus, para distribuir entre os beneficiários dos seus próprios programas sociais. A proposta é assinada pelo Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e NTU. Desde que foi proposto, o programa já serviu de subsídio para a criação de projetos de lei no Congresso. Infelizmente, ainda não teve o desfecho que o setor espera, porque não foi acatada pelo Governo Federal.

Pelo medo (e desconforto) da aglomeração muitas pessoas tem deixado o transporte público para o individual mesmo antes da pandemia. Quais os impactos sociais e econômicos da fuga das pessoas do transporte público para os carros e motos?
Em recente “Manifesto por um Transporte Público Digno, Econômico e Ambientalmente Sustentável”, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) traz dados que ilustram bem essa questão. Informa que se nada for feito para socorrer o transporte coletivo urbano haverá a quebra dos sistemas organizados de transporte público, com perdas para a sociedade da ordem de R$ 320 bilhões por ano. Esse seria o custo da substituição do sistema público coletivo por opções individuais de transporte. Para se ter uma ideia do que isso significa, apenas 10% deste valor já permitiria reduzir a tarifa do transporte em 50% para todos os brasileiros. Também é importante ressaltar que a migração para o transporte individual vai promover um retrocesso, do ponto de vista urbano, social e ambiental, com aumento da poluição, dos congestionamentos. E mais, deixará desassistida a camada da população que hoje depende do transporte coletivo para se deslocar ao trabalho, por exemplo.

Como vocês observam o surgimento dos serviços de aplicativo para atender o transporte coletivo sob demanda?
Se os serviços sob demanda por aplicativos estiverem integrados à rede de transporte coletivo, como é o caso do CityBus 2.0, em Goiânia; do Ubus, em São Paulo; e do TopBus+, em Fortaleza (CE), que são serviços complementares à rede convencional de ônibus coletivo urbano da cidade, entendemos que são extremamente positivos, por serem um extensão do serviço público que podem atender gargalos de demanda específica que o ônibus convencional não está atendendo. Isso não vale para os aplicativos de transporte individual que oferecem serviços compartilhados, que não dão o mesmo atendimento e na verdade atuam de forma predatória, buscando apenas atender trechos de alta demanda e ignorando as premissas do verdadeiro transporte público, que é um serviço essencial e também um direito social do cidadão.

Fonte: Revista Algomais