Atingido em cheio pelos efeitos do coronavírus, o ônibus coletivo urbano não sobreviverá no pós-pandemia se for mantido o modelo atual, onde os custos são pagos unicamente pelas receitas tarifárias. Isso porque a medida sanitária de manter maior número de veículos nas ruas com a drástica redução de passageiros cria uma conta que não fecha e exige mais que medidas paliativas.

O retrato atual desse serviço no Brasil, com as medidas de isolamento e distanciamento social, revela queda diária de quase 30 milhões de passageiros e prejuízo de R$ 3,72 bilhões, acumulado de março a junho deste ano. Um rombo que pode chegar a R$ 8,79 bilhões até o final do ano, segundo projeções da NTU.

A pandemia não é a vilã dessa história, que começou lá atrás, quando o coletivo urbano já perdia demanda. Foram 25% de passageiros a menos entre 2014 e 2018. A Covid-19 agravou o que já estava ruim. Antes que se apontem os culpados por essa tragédia é necessário que todos os atores sociais assimilem, como sua parcela de responsabilidade, aquilo que técnicos e especialistas no assunto já alertavam há muito tempo — a dinâmica econômica das cidades e sua sobrevivência como espaço de desenvolvimento e sustentabilidade, bem como de qualidade de vida, dependem, fundamentalmente, de um transporte público universal e de qualidade.

A questão agora não deve ser tratada em âmbito setorial, visto que extrapola essa competência. Trata-se de uma escolha econômica, reforçada por um forte apelo social, dividido entre modificar um modelo falido de transporte, que se sustenta basicamente com a tarifa paga pelos mais pobres e vulneráveis, ou decretar o fim do sistema. Esta, sem dúvida, seria uma escolha com implicações profundas, péssima para os negócios, para as instituições e especialmente para os menos favorecidos.

A definição de saídas que podem decretar o fim ou a sobrevivência do transporte público no Brasil em outras bases precisa envolver a sociedade como um todo, não apenas os usuários dos serviços, e não somente para a superação desta crise. É inevitável rever toda a prestação de serviço de transporte coletivo ofertada neste país.

O governo federal peca pelo entendimento de que a mobilidade é uma atribuição dos estados e municípios e teria que ser resolvida sem sua ajuda. Delegar responsabilidades sem os meios para que sejam cumpridas é o mesmo que se omitir. A sociedade clama por mudanças substanciais no transporte público, que tragam maior transparência, governança e melhor qualidade na operação do sistema.

Mais do que agravar a crise do transporte público, os novos protocolos sanitários decorrentes da pandemia cobram mudanças estruturais nesse sistema, melhorias que já foram elencadas em propostas setoriais diversas, com sugestões que convergem para um ponto vital de toda essa situação – não é mais possível operar um sistema sustentado por um modelo de financiamento ultrapassado e falido, baseado na tarifa, que é cara para quem paga e insuficiente para quem presta o serviço.

Se fracassarmos na construção de um novo transporte coletivo urbano, um eventual colapso dos sistemas de transporte público pode significar perdas para a sociedade da ordem de R$ 320 bilhões por ano – este seria o custo adicional de um modelo de mobilidade baseado unicamente no transporte individual, segundo a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Basta dizer que apenas 10% deste valor já permitiria reduzir a tarifa de ônibus em 50% para todos os brasileiros. Está na hora de o Brasil decidir que tipo de mobilidade e qualidade de vida urbana deseja.

Por Otávio Vieira da Cunha Filho – Presidente executivo da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU)

Fonte: NTU