Nos últimos três meses (agosto, setembro e outubro de 2019) várias audiências públicas discutiram redução da tarifa, modelos de financiamento e os efeitos da concorrência dos serviços de transporte individual por aplicativo sobre o transporte público

O transporte público coletivo brasileiro voltou a ser tema frequente de audiências públicas realizadas no Congresso Nacional. Os temas discutidos envolvem tarifa, subsídios, impacto do transporte por aplicativos no setor e a criação de um fundo nacional de transporte. A NTU teve participação em todas elas.

A primeira, realizada pela Subcomissão Temporária sobre Mobilidade Urbana, ligada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal, ocorreu no dia 16 de agosto e debateu possíveis soluções para a redução da tarifa e outras questões relacionadas ao transporte público. A NTU foi representada pelo diretor administrativo e institucional da entidade, Marcos Bicalho dos Santos.

Na ocasião, o presidente da audiência, senador Acir Gurgacz (PDT-RO), sugeriu uma política de tarifas menos onerosa aos passageiros. Segundo dados do Instituto de Política Econômica Aplicada (IPEA), os moradores das nove principais regiões metropolitanas do país comprometem cerca de 15% dos seus salários com tarifas do transporte coletivo. O mesmo estudo afirma também que os gastos com as passagens aumentaram 30% nos últimos seis anos para famílias com renda per capita de até meio salário mínimo.

Foi sugerida ainda a criação de um fundo nacional do transporte coletivo e a elaboração de uma proposta de emenda à Constituição que possibilite uma integração mais eficaz entre Governo Federal, Estados e Municípios. No mês seguinte, Gurgacz apresentou a Emenda n° 35 à PEC 110/2019, que trata da Reforma Tributária no Senado Federal, propondo a criação desse fundo.  A PEC da Reforma Tributária encontra-se em análise na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, cujo relator é o Senador Roberto Rocha (PSDB/MA).

Alinhamento com o Governo Federal

Já na audiência realizada no dia 16 de setembro, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, o assessor especial do Ministro do Desenvolvimento Regional (MDR), Jean Carlos Pejo, apoiou medidas alinhadas com o documento setorial para melhoria do ônibus urbano e sinalizou apoio à desvinculação entre a tarifa pública (paga pelo passageiro) e a tarifa de remuneração (paga pelo poder público às empresas operadoras), bem como o uso de subsídios públicos e receitas extratarifárias para custear a tarifa de remuneração.

Pejo propôs também um Fundo Nacional do Transporte Coletivo Urbano, vinculado à reforma tributária que tramita no Congresso, para a gestão desses valores. Além disso, foram propostas outras ações como o financiamento da infraestrutura viária com recursos de bancos internacionais, o custeio das gratuidades com recursos de políticas setoriais e a participação dos estados com parte dos recursos arrecadados com IPVA e licenciamento de veículos.

Otávio Cunha, presidente executivo da NTU, participou do evento e afirmou que o transporte público vive uma crise sem precedentes. Ele traçou o cenário atual do modal que, segundo ele, já transportou 60 milhões de passageiros por dia, na década de 1990, e hoje transporta cerca de 40 milhões. Além da perda de demanda, Cunha destacou a redução da velocidade operacional, que já foi de 25 km/h e agora não passa de 13 km/h, o que implica grande perda de produtividade para o setor. Segundo ele, um dos principais desafios hoje é mudar a percepção da sociedade sobre a tarifa, que aumenta, mas não gera melhorias no serviço.

“Temos desafios que precisam ser enfrentados”, enfatizou. Ele listou os cinco programas do documento setorial Construindo Hoje o Amanhã, que asseguram a reversão dos principais gargalos do serviço.

Para o autor do requerimento para a realização da audiência, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), existe a necessidade de um transporte público de qualidade: ‘‘O transporte público urbano é fundamental na vida das pessoas que dependem desse meio de locomoção e nós temos que criar alternativas, no sentido de dar ao transporte público uma melhor condição para que o cidadão se sinta valorizado e respeitado, e fazer com que se achem mecanismos para se reduzir o preço dessa tarifa’’.

Os apps e o transporte público urbano

Em outubro, foi a vez da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados debater, em audiência pública, o impacto dos serviços de transporte individual por aplicativo no sistema de transporte público. Uma pesquisa patrocinada pela Universidade de São Paulo (USP) apontou que 62% dos usuários de aplicativos da modalidade compartilhada vieram do transporte coletivo.

‘‘O estudo aponta que o uso do transporte remunerado por aplicativos está tirando mais passageiros do transporte público do que convencendo as pessoas a deixar o carro em casa’’, disse o deputado federal Mauro Lopes (MDB-MG), um dos autores do requerimento para a realização da audiência.

Na avaliação de Otávio Cunha e de empresários do setor, pesquisadores, especialistas e gestores públicos presentes na ocasião, os serviços de transporte sob demanda por aplicativo degradam o transporte coletivo, em especial as modalidades de viagens coletivas, como o Uber Juntos.

Para o presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos em Mobilidade Urbana, Rodrigo Tortoriello, as empresas de transporte por aplicativo deveriam contribuir para a manutenção da infraestrutura urbana: ‘‘Se cada corrida de aplicativo em Porto Alegre contribuísse com R$ 1 para custear o transporte público, e isso entrasse como uma receita acessória, a nossa tarifa cairia de R$ 4,70 para R$ 4,30.’’

O deputado Mauro Lopes encerrou a audiência pedindo apoio dos parlamentares à apresentação de emenda à PEC 45, ligada à reforma tributária, visando à criação do Fundo Nacional para Financiamento do Transporte Público. Em 10 de outubro, a PEC 45 recebeu a Emenda n° 200, que institui um fundo para o transporte público coletivo urbano e de caráter urbano “visando reduzir as tarifas pagas pela população brasileira, com a participação da União, Estados e Municípios”.

Matéria publicada na Revista NTUrbano Ed. 41 Setembro/Outubro de 2019